Por Marcos Veiga (o Kiko)
PINDORAMA – Esta é a tua vida... Do MUC 3 a ba[r]dalada rua de hoje.
Pindorama – região de palmeiras ou nome que as populações indígenas davam ao Brasil.
Não se tem notícias de que a nossa rua tenha tido palmeiras ou que tenha sido ocupada por índios, mas um dia, acreditem, foi pacata e tranqüila.
Na esquina da praia ficava o Restaurante Vasquez, depois padaria e hoje o Grill. Pratos tradicionais (quem lá nunca comeu o Filé à Parmegiana?) e um balcão, que mais vendia cafezinho do que qualquer outra coisa, eram marcas registradas. Contíguo estava o Bar do Barbosa, atual Bar da Lila, boteco da melhor qualidade que sobrevive aos modernismos que a rua experimentou ao longo de anos. Ah! O salão de barbeiro do Catarina vinha logo a seguir, que lá ainda está e não deixa ninguém mentir. Em seguida o Bar da Palmira, o pebolim e o snooker, quem um dia seria a oficina de geladeiras, TVs, fogões e tudo que era tralha do Garcia, e hoje dão lugar ao novíssimo Paulistânia.
Passando as garagens do Ed. Paulistânia e a farmácia chegava-se ao bar do Manolo e do “Seu” Zé, reduto dos boleiros e cartolas do Campos Melo (Peirão, Nico, os irmãos Mesquita, Manivela, apenas para citar alguns), dos corneteiros do bairro (destaques para Roberto Sidney (Alemão), Orlandinho e Passarinho) e, mais tarde, da molecada do Náutico. Os que ali vêem hoje o Armazém 29, talvez não saibam que a família Maresias, Gimbinha e Praia Preta lá se criaram, atrás do balcão.
Do outro lado da rua o Heinz brilhava como a melhor chopperia do pedaço. Ao seu lado a quitanda, que ninguém lembra o nome, e que hoje dá lugar ao Biruta’s. Quase colado ficava o Arpoador, ocupado agora pelo Embalo’s. No meio da Lincoln Feliciano, que pouca gente sabe o nome, mas é a rua que começa no canal 3 e acaba na Rua da Paz (ou será ao contrário?), ficava Os Três Patetas (existe nome pior para boteco?), onde o pessoal fazia a fezinha no jogo criado por Barão de Drummond. Hoje lá está o Bardovic, que a turma da Pindorama anexou e acolheu.
A despeito dessa profusão de bares, a quietude de rua de bairro era mantida. As coisas começaram a mudar com a chegada do XV, transferido da mansão da Rua Marcilio Dias esquina com a praia. Projeto controverso, pois embora de frente para o mar, muitas de suas instalações estavam abaixo do nível da rua, impedindo a vista da praia. Cresciam a prática do surf e as peladas na praia, esta última já sob o controle do Paraná do Mate (e que as controlaria por anos a fio).
Os pegas de carros, saindo da Conselheiro Nébias e virando em alta velocidade no Canal 3, para delírio da molecada aboletada na rampa do XV, marcaram época. O Aero Willis amarelo do Cordella e o Fusca prateado do Francês eram figurinhas carimbadas.
Na calada da noite mudaram o nome da rua: Canuto Waldemar Nogueira Ortiz. Nada contra o grande benemérito, que, em 1928, doou uma escola ao município. A UME Lourdes Ortiz está lá, na Rua Ricardo Pinto, Aparecida, até hoje. Mas tirar o nome Pindorama foi uma traição. Liderados pelo “Seu” Lessa, da Farmácia Espumas, o povo foi às ruas. Passeatas, listas de assinaturas, contatos com vereadores e, em uma decisão histórica, o processo foi revertido. A rua havia recuperado seu nome original e, o mais importante, sua personalidade.
Surgiam os times de futebol da rua. O zelador de um prédio fundou o Pindorama FC que, contam, deveria ir para o Guinness Book, pois na história do futebol mundial nunca se viu um time com três destros e oito canhotos. Até o lateral direito e o ponta direita eram canhotos.
Nascia o MUC 3 (Mocidade Unida do Canal 3). Sob o comando do técnico Chico Gordo, Lino, Toca, Durval 7 Cabeças, Miguel Loco, Zizi, Crioulo, Perequê, Barba, Miguel Alemão (dizem que foi o primeiro surfista de Santos), Nenê e outros desfilavam seus dotes futebolísticos na areia da praia.
Pós praia, o Bar da Palmira era o point. Jairzinho mandava no violão. Mulheres bonitas e molecada sarada trocavam olhares. Ainda tinha o pessoal das motos com os Toninhos – Bernardo e Cabelo, Nelsinho Cardoso, Renato Porchat e outros que aumentavam a confusão da rua.
O Náutico, clube mais antigo de futebol de praia, também adotou a rua para seus encontros pós jogos. A bagunça rolava no Bar do Bimbo (pebolim), com batuque sobre a mesa. Com o tempo mudou-se para o bar do Manolo. A batucada sofisticou-se, agora com surdo, repinique e caixa. Era samba de um lado e truco do outro (dá para imaginar?). Nos finais de ano as brigas e discussões dos jogos de solteiros contra casados dissipavam-se em batucada. A rua trocava seu sossego por agito, charme e alegria.
E foi no meio de toda essa encrenca que nasceu o Bagre. Se Ipanema tinha sua banda, porque o Boqueirão-Canal 3 não podia ter a sua? Era preciso um nome. Todo mundo dando palpite. Até que o Miro gritou: Segura no Bagre. Aqui cabem parênteses – o Geraldinho (o Japonês do Volleyball) quando não era correspondido nas paqueras ou ficava invocado com alguma coisa, usava a expressão: então segura no meu bagre. Proposta aceita. A banda tinha um nome. O Geraldinho, por ter sido a fonte inspiradora, foi aclamado seu primeiro presidente. Tudo isso na mesa do Heinz, onde Charles Bronson, Rafa e Zé, serviam chopp gelado e testemunharam esse acontecimento que, se não mudou a vida de ninguém, deu muitas alegrias, não só para a molecada da banda, como também para boa parte da cidade.
Ao longo dos anos o Bagre cresceu, não sem muitas dificuldades (não havia Viagra). Teve quatro hinos: o do “Seu” Alberto, pai do inesquecível Tica, o da dupla Luigi & Giba, o do Chuchu (Xuxu) do Banjo e o último do fantástico, erótico, performático, maravilhoso e genial Robertinho Chantilly.
Num determinado ano fechou-se “convênio” com o Cachaça Brasil, famosa casa de samba, localizada na Vila Mathias, de propriedade do Buru e do Velha. O Buru, entrutado que era com o mundo do samba, trazia para o grito de carnaval do Cachaça, que ocorria um dia antes do Bagre, grandes personalidades do samba do Rio de Janeiro, e que, no dia seguinte, como parte do pacote, abrilhantariam a banda. Foi assim com Jamelão, Carlinhos de Pilares, Neguinho da Beija Flor apenas para citar alguns. O Bagre crescia, ainda sem Viagra, só na base da emoção. Trios elétricos incorporaram-se à banda. A Banda do Direito concluía seu desfile juntando-se ao Bagre. Houve ano da banda arrastar mais de 4000 foliões (alguns juram que tinha mais de 6000).
O tempo passou. Veio a proibição de desfiles na praia. Muitas bandas desapareceram, dentre elas a notável Banda Mole. O Bagre teimoso permaneceu. Concentra mais não sai. Há de se manter a tradição. Esse ano homenageia as testemunhas de sua criação - Charles Bronson, Zé e Rafa – e um dos seus muitos benfeitores, Buru. Outras homenagens virão. O Bagre continuará crescendo (só que agora, pela idade de seu corpo diretivo, um Viagrazinho é bem vindo).
Essa crônica foi escrita pelo Kiko, que se valeu de fatos de conhecimento próprio e de outros que lhe foram narrados pelo Lino Alonso – Presidente Executivo da Banda – e pelo Mesquita – Presidente do Conselho de Administração. A estória contemporânea aceita interpretações, discordâncias, preferências, possíveis equívocos, etc., etc., etc.. Contudo, essa é a nossa estória. Quem puder, souber e quiser que conte outra.
Santos – Carnaval 2009
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